quarta-feira, 22 de outubro de 2008

ARTIGO DA SEMANA

Hoje faço a estréia do espaço Artigo da Semana, onde publicarei em cada hedbómada uma dissertação sobre o tema ouvidoria. Esta semana contemplaremos o tema Ouvidoria x mediação: reflexões sobre um conflito, de Antonio Semeraro, ouvidor do IPEA.

Ouvidoria x mediação: reflexões sobre um conflito

Tenho defendido a tese da profissionalização do ouvidor como forma de dar credibilidade e sustentabilidade a esse importante instrumento de gestão e cidadania. Não foram poucas as vezes em que escutei que qualquer um pode ser ouvidor no sentido de um “quebra galho”. Isso sempre me causou estranheza porque, no afã de ser “politicamente correto” ou cumprir a obrigação de constituir uma ouvidoria, o gestor pode se afastar dos compromissos que assume com a sociedade, comprometendo todo o esforço de construção que vem sendo desenvolvido ao longo de anos. A ouvidoria, no meu entender, possui uma dimensão muito mais ampla do que se imagina: uma dimensão política, que tem por objetivo contribuir com a consolidação dos valores democráticos; social, pela ampliação da cidadania como instrumento para uma cidadania ativa; e econômica, como instrumento de gestão para busca da eficiência das organizações. Dessa forma, ser ouvidor implica reunir habilidades e capacitações múltiplas. Não dá para improvisar, principalmente em organizações mais complexas, sob pena de a sociedade perder a credibilidade nesse instrumento. Temos presenciado, nos últimos anos, um vertiginoso crescimento das ouvidorias, principalmente das ouvidorias públicas, o que aumenta, sobremaneira, a responsabilidade daqueles que conduzem o processo visando a tornar perene e eficiente essa construção. O Seminário “Ouvidoria on Business”, promovido pela revista Cliente SA em maio, veio reforçar minhas convicções nessa tese. As palestras apresentadas pelos ouvidores de diversas instituições públicas e particulares foram de altíssimo nível técnico. Edson Vismona e João Elias, ex-presidente e presidente da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO) respectivamente, ressaltaram os múltiplos benefícios que uma ouvidoria pode trazer para uma organização e a necessidade de encaminhamento sistemático de relatórios gerencias ao corpo gestor para eventuais correções de falhas e redirecionamento de ações. A ABO é responsável pela formação de dezenas de ouvidores que passam anualmente por seus cursos de capacitação. Elci Pimenta, ouvidor da Prefeitura de São Paulo, ao falar sobre o exercício da função, destacou, entre outras questões, “a sofisticação das suas competências como geradora de insumos para o desenvolvimento da estratégia corporativa para melhoria contínua dos processos”. A ouvidora da Superintendência de Seguros Privados (Susep), Solange Dias, refletiu sobre as relações entre o clientecidadão, o Estado e os agentes privados do mercado; ressaltou a importância de alguns marcos legais e do planejamento estratégico como ferramenta de gestão da ouvidoria. Já Leonardo Araújo, ouvidor da Caixa Econômica, de início mostrou a relevância da habilidade como negociador na busca dos escassos recursos para implementação da ouvidoria. Em seguida, acrescentou que, como norteadora de suas ações, o ouvidor deve possuir uma base metodológica fundamentada na Teoria Crítica e em princípios éticos, além de um sofisticado sistema de gestão da informação. Cláudio Pugliese, ouvidor do Sebrae-SP, frisou a necessidade do pensamento estratégico como mecanismo para a discussão entre ouvidores, além da imprescindível utilização de pesquisas quantitativas para a melhoria contínua dos resultados. Francisco Calazans Junior, ouvidor geral do Banco Itaú, introduziu o conceito de Ouvidoria Corporativa e destacou sua dimensão estratégica, exigindo do ouvidor, entre outras atividades, a de interpretar demandas de forma sistêmica para encontrar oportunidades de melhoria em produtos e serviços, o que requer enorme preparo gerencial. Ainda sobre a questão da profissionalização do ouvidor, tenho verificado posicionamentos de que a ouvidoria “não se constitui em um método alternativo para solução de conflitos”, com os quais concordo, por entender, como disse no inicio deste artigo, que a ouvidoria tem uma dimensão muito mais ampla, não devendo restringir-se a mediar conflitos. Agora, não tenho dúvidas de que, na formação do ouvidor, é indispensável o instrumental técnico da mediação de conflitos como complemento à sua formação, em busca da eficiência e efetividade das atividades da ouvidoria. Muitas manifestações que são encaminhadas a uma ouvidoria são fruto de um conflito instalado – seja entre atores internos à organização; entre a organização e atores internos; entre atores internos e externos à organização; ou entre a organização e atores externos – que pode aumentar o risco e a incerteza na realização da tarefa da organização. Tendo em vista que esses conflitos podem ter dimensões objetivas e subjetivas, que muitas vezes o não reconhecimento da dimensão subjetiva representa um óbice à solução do conflito objetivo e que invariavelmente o objeto do conflito só serve para esconder essas subjetividades existentes, é da
maior importância que o ouvidor tenha à mão uma “caixa de ferramentas” para lidar de forma eficiente com essas situações. Como esses conflitos organizacionais, de modo geral, envolvem relações continuadas no tempo, a forma como são solucionados se reveste de importância vital para os atores envolvidos. Deve ser buscada uma solução que promova a celeridade e a eficácia dos resultados; reduza o desgaste emocional e o custo financeiro; mitigue a duração e a reincidência do conflito; facilite a comunicação e propicie ambientes cooperativos; e transforme as relações e melhore os relacionamentos. A técnica da mediação ensina que o fator mais importante na resolução desse tipo de conflito, para alcançar os objetivos descritos, está na capacidade do mediador de se posicionar como um facilitador ao diálogo entre as partes, buscando o entendimento e incentivando que os atores tenham a capacidade e a autoria na solução do conflito. O resultado final não deve ter um perdedor nem um ganhador, deve ser uma solução em que os dois saiam ganhando. A necessidade da ferramenta da mediação pode ser identificada na análise das apresentações dos ouvidores durante o evento “Ouvidoria on Business”, aplicando-se a: a) buscar soluções para as questões levantadas (Prefeitura de São Paulo); b) otimizar as formas de comunicação; c) preservar a imagem pública da organização; d) reduzir processos administrativos e judiciais; e) atuar como solucionador final de problemas não
resolvidos por outras instâncias, antes da intervenção do Estado; f) servir como pólo de integração e de comunicação empresa-clientes (Susep); g) buscar de forma consensual solução efetiva; h) mediar conflitos entre o cliente e a corporação (Itaú); e i) exercer a crítica no sentido destacado pelo ouvidor da Caixa – “o exercício da crítica amadurece as pessoas e as relações, promove a gestão participativa e impõe a transparência como modelo de relacionamento. Quando um sujeito elabora uma crítica sobre si mesmo, reconhecendo erros e defeitos, neutraliza eventuais ataques de terceiros e ganha credibilidade até com os próprios opositores. Isso acontece com qualquer pessoa, em todo tipo de conflito: na família, com os amigos, no trabalho (...)”. Dessa forma, a técnica da mediação tem muito a contribuir com o desempenho do ouvidor quando este se defronta com situações de conflito, devendo fazer parte de suas múltiplas habilidades. Por fim, vale citar Fátima Vilanova em seu artigo publicado no jornal O Povo (23/03/1998, p. 6A), intitulado “Ouvindo o Cidadão”. Ela reforça, no meu entender, a importância da mediação: “Ouvir. Eis um hábito que está faltando na nossa sociedade, dificultando um diálogo proveitoso para a solução de vários conflitos, seja no âmbito das famílias, das empresas e dos Poderes Públicos”.

Antonio Semeraro Rito Cardoso
Técnico de Planejamento e Pesquisa e Ouvidor do Ipea. É Mestre
em Administração Pública pela Ebape/FGV.